Digressões sobre comida e psicanálise

Digressões sobre comida e psicanálise

Ao tentar responder rapidamente a uma pessoa o que é Psicoterapia Breve, surgiu a seguinte pergunta: então a PB seria o Fast Food da psicanálise? Esta questão, assim posta, me levou a pensar mais a fundo sobre uma resposta condizente! Não, a PB não é o Fast Food da psicanálise, mas também não é um infindável “menu gastronômico” de um restaurante estrelado, mais próximo da psicanálise tradicional.

Vejo a PB mais como um trivial variado, uma comida caseira, comida de casa de avó. Simples, nutritiva e conhecida desde sempre. Penso num bife com fritas, numa farofinha singela, num ovo frito com gema mole e um arroz soltinho.

A pergunta não foi descabida, afinal a questão do alimento tem um simbolismo muito forte na nossa existência.

As nossas primeiras impressões do mundo são orais, como descreveu Freud. É pela boca que sentimos nossos primeiros prazeres e desprazeres, tanto concretos como simbólicos. O que comemos, como comemos, o prazer e a culpa frente aos alimentos. São questões que vem de longe. Tem pessoas que só comem um tipo de alimento, como um amigo que só gosta de purê de batatas. Outros são muito restritos, se recusando a experimentar novos sabores e ficando em situação difícil se não tem o que gostam, sem nunca provar algo inusitado. Tem os vorazes, os bulímicos, os anoréticos, os insaciáveis; a lista é grande!

Essa analogia entre a psicanálise e o alimento nos remete também a importância do corpo na modernidade. A preocupação excessiva com a aparência, o ideal estético tirano e mutilador. A enorme quantidade de dietas, receitas milagrosas, exercícios e medicamentos que movimentam este mercado é assustador. Tudo em prol de um corpo idealizado! Perfeito e intangível…

Voltando a pergunta inicial, a PB foi pensada por diversos autores, de varias épocas, pela necessidade de dar uma resposta satisfatória ao sofrimento humano, dentro das possibilidades nem sempre ideais da vida. Dificuldades de tempo, condições financeiras e desconhecimento tornam cada vez mais inviável a psicanálise da maneira como foi criada há um século! Novas descobertas e demandas, patologias diferentes, outros paradigmas estão aí, mas o sofrimento humano continua vivo e pulsante! É o que nos move e nos toca. A PB com a mudança do enquadre, a definição da personalidade do paciente, a preocupação com a presença ou ausência de crise, e a identificação de um foco a ser trabalhado, consegue abordar com profundidade e menor tempo a demanda do paciente.PB, como outras terapias, é mais um instrumento de que dispomos para rever nosso lugar no mundo, nossa participação na sociedade, lidar com nosso desejo, nosso sofrimento e nossas angustias. Enfim, nos tornarmos sujeitos de nossas vidas e senhores do nosso corpo. E, em posse disso, comer o que bem entendermos, sem culpas e com prazer! Até mesmo, por que não, um bom Fast Food!

Fonte: Marie Claire Bordone de Siqueira